Desde a Lei 14.300, que corrigiu subsídios, muitos empreendedores de GD (micro e minigeração distribuída) começaram a buscar novos nichos de mercado. Além da autoprodução via consórcio com arrendamento, que permite atender consumidores com demanda mais baixa, a outra “menina dos olhos” desses empreendedores de GD tem sido a comercialização varejista.
Muito embora GD e autoprodução sejam ambas caracterizadas pela geração de energia elétrica para atendimento ao consumo próprio, são modelos de negócio completamente diferentes, regidos por leis, decretos e resoluções distintas.
Enquanto na GD a principal norma é a Lei 14.300/2022, o arcabouço legal da autoprodução é estabelecido por diversas leis (9.074/1995, 9.427/1996, 10.848/2004, 11.488/2007, 12.783/2013) e decretos (2.003/1996, 5.163/2004, 6.210/2007).
Na GD, o consumidor permanece com sua relação comercial com a distribuidora local, ou seja, permanece regulado e sujeito à tarifa regulada pela ANEEL. Os excedentes de energia não podem ser comercializados e são convertidos em créditos (válidos por 60 meses) junto à distribuidora pelo Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE). Os modelos de negócio dos empreendedores de GD variam entre oferecer a infraestrutura dos módulos fotovoltaicos, serviços, estruturação dos formatos da GD compartilhada (consórcio, cooperativa etc) e fazer a gestão dos créditos do SCEE.
Já na autoprodução via consórcio com arrendamento, o gerador disponibiliza sua usina para o consumidor por meio de locação. Dado que se trata de um contrato de aluguel, o consumidor não precisa realizar investimentos e não existe uma relação societária entre o consumidor e o gerador. Uma característica desse modelo é que a ANEEL autoriza a usina em nome do consumidor, e não do gerador. Essa titularidade é que permite viabilizar os benefícios das isenções de encargos ao consumidor.
Como autoprodução só existe no mercado livre, isso significa que o consumidor precisa respeitar o critério de pertencer ao Grupo A, permitida a comunhão de fato ou de direito se o consumidor for atacadista (agente da CCEE). Migrar para o mercado livre significa se beneficiar de oportunidades – mas também arcar com mais responsabilidades e riscos, que devem ser previamente avaliados. Aqui o rol de responsabilidades do empreendedor é muito maior: negociar o preço da estrutura de autoprodução, gerenciar os diversos contratos envolvidos (incluindo o de consórcio e os de arrendamentos), atentar para o risco de que a outorga da usina será feita em nome do consumidor, além da liquidação mensal dos excedentes/déficits na CCEE que será feita conforme as regras de comercialização (Alocação de Geração Própria), também em nome do consumidor.
E na comercialização varejista? Para ser um comercializador varejista, primeiramente é preciso tornar-se um comercializador atacadista. Pode parecer óbvio para alguns entusiastas do mercado de energia, no entanto, não é para quem vem do mercado de GD.
As responsabilidades do empreendedor são ainda mais complexas do que no caso da comercialização atacadista. Além das responsabilidades de representar financeiramente seus clientes junto à CCEE (cuidando de todas as obrigações do consumidor regidas pelas diversas normas, prazos e detalhes técnicos da CCEE), o varejista é quem atende o balanço energético do consumidor. Na prática, isso significa que a liquidação mensal dos excedentes/déficits na CCEE de todos os clientes será responsabilidade do varejista. Aqui, um dos pontos chave é a previsão de carga dos clientes, que será um input para a gestão do risco de mercado (exposição ao PLD).
Isso explica por que a comercialização varejista ainda está em fase de amadurecimento no setor elétrico, embora sua regulação seja de 2013: a inadimplência ou a quebra de um agente varejista pode implicar impactos vultosos no mercado de energia.
Em outras palavras, se a comercialização de energia por si só já apresenta um risco de exposição ao PLD, no qual são estudados cenários para uma melhor tomada de decisão entre comprar e vender energia, com a comercialização varejista agrega-se o risco de volume associado ao consumo de seus clientes.
Em resumo, embora autoprodução via consórcio com arrendamento e comercialização varejista pareçam uma evolução natural para os empreendedores de GD, são estruturas muito mais complexas e que submetem o empreendedor acostumado aos modelos de negócio de GD a riscos muito maiores.
Para o caso da comercialização varejista, além das exigências de contratos robustos, Patrimônio Líquido mínimo (que a partir de abril/2024 passará de R$ 6,4 milhões para R$ 10,6 milhões), Limite Operacional mínimo de R$ 1,6 milhão, e outras garantias financeiras, há que se desenvolver competências relacionadas à gestão de clientes, inteligência de mercado, rotinas operacionais junto à CCEE e gestão de riscos (crédito e mercado). Investir em treinamento e capacitação profissional, além de apoio antes da estruturação desses negócios, pode ser a diferença entre fracasso e sucesso.
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