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  • Luan Vieira

Planejamento energético e os dilemas humanos


No Brasil, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), é o órgão responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN). E pelo planejamento da operação dos sistemas isolados (SI’s) do país, sob a fiscalização e regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).


Denomina-se Sistema Interligado Nacional, pois todo o sistema elétrico está conectado entre si via malhas de transmissão. Todos os subsistemas geoeletricamente localizados, Sul, Sudeste/Centro Oeste, Norte e Nordeste, podem transferir energia um para o outro dentro dos seus limites de intercâmbio. Pelo mesmo raciocínio, denomina-se Sistema Isolado aquele que não está conectado ao SIN, portanto, precisa ser tratado isoladamente.


Em um país com dimensões continentais como o Brasil é realmente um grande desafio levar energia para todos. Isso exige um planejamento acurado de curto, médio e longo prazo. Além de um acompanhamento praticamente instantâneo do SIN. Neste sentido, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) tem por finalidade a prestação de serviços ao MME (Ministério de Minas e Energia) através de estudos e pesquisas auxiliando no planejamento do setor energético. Para o setor elétrico, produtos conhecidos da EPE são o PDE (Plano Decenal de Expansão) e o PNE (Plano Nacional de Energia). Ambos são documentos com estudos que dão indicativos e suporte as decisões e diretrizes do MME. O primeiro para o horizonte de dez, o segundo para um horizonte de trinta anos.


Contudo, ter uma ideia do que será o setor em trinta, dez ou até mesmo em cinco anos, não é o suficiente para toda vez que alguém ligar o interruptor de sua casa, a lâmpada magicamente acender. É preciso um planejamento mensal, diário, além de um acompanhamento praticamente instantâneo de quais usinas vão ser acionadas, quais subsistemas irão importar ou exportar energia e se os limites de intercâmbio das linhas de transmissão (LT’s) serão respeitados.


Assim, como supracitado, o ONS é o responsável pela coordenação e operação do SIN. Ele, com a participação de agentes, elabora o PMO (Programa Mensal de Operação) trazendo informações como despacho esperado, o Custo Marginal de Operação (CMO) correspondente, as previsões de Energia Natural Afluente (ENA) e de armazenamento dos reservatórios. O PMO possui uma discretização semanal e passa por revisões semanais, em que as perspectivas operativas podem se confirmar ou não, impactando no resultado do CMO. Além disso, considerando as metas e diretrizes do PMO, o Operador elabora o PDO (Programa Diário da Operação) que fornece aos centros de operação do ONS e aos agentes de operação, as diretrizes eletroenergéticas específicas, necessárias à execução da operação para o dia seguinte.


Nesse contexto, as diferentes usinas do SIN são despachadas centralizadamente, ou seja, estão submetidas as decisões do ONS, ele é que determina quando, quanto e por quanto tempo cada usina do SIN irá operar. Ele também que faz o acompanhamento em tempo real sempre buscando a decisão ótima, ou seja, atender a carga (demanda) ao menor custo possível.


Uma vez que a matriz energética brasileira é muito dependente das hidrelétricas (mais de 60%), o Operador enfrenta um grande dilema. Para a tomada de decisão utiliza como referência suas expertises juntamente com modelos computacionais hidrotérmicos- as outras fontes como, por exemplo, eólica e solar que entram como abatimento de carga- que buscam minimizar a função do custo total da energia que, por sua vez, se divide em função custo imediato e função custo futuro. A derivada da função custo imediato, ou seja, a taxa de variação do custo em relação ao volume armazenado é o valor da energia térmica. Da mesma forma, a derivada da função custo futuro, ou seja, a taxa de variação do custo em relação ao volume armazenado é o valor da água.


Trazendo para uma linguagem menos matemática, tudo isso consiste no que é conhecido como o Dilema do Operador, que funciona da seguinte forma:


“Devo manter os reservatórios cheios e acionar térmicas? (Custo imediato alto) ou, devo usar a água disponível nos reservatórios desligando as térmicas? (Custo futuro alto).”


O problema é que não existe uma única resposta absoluta e certa, se as afluências futuras forem altas e o ONS decidiu por preservar reservatórios, teremos um desperdício de recursos, podendo pagar caro pela energia agora, e verter água no futuro. Ao passo que, se o ONS decidir por usar hidrelétricas e gastar reservatórios, mas, as afluências futuras forem baixas, podemos vivenciar uma crise hídrica no país. Não é possível adivinhar o que vai acontecer, mas, certamente, a decisão de agora traz consequências para o futuro, isso chama-se, Interdependência Temporal. Também não é possível escolher onde exatamente vai chover, contudo, dependendo de onde chover toda a operação será influenciada. Isso ocorre, pois, no Brasil, temos um regime de hidrelétricas em cascata e chover em usinas de cabeceira (no começo) é melhor que chover no fim da cascata, isso chama-se, Interdependência Espacial.


O ONS conta com modelos robustos que utilizam histórico de afluências, produzem diversos cenários em cima de cada uma das hipóteses criadas e através do método de programação dinâmica estocástica, determinam o custo futuro médio. A interseção entre a função custo imediato e a função futuro é o custo mínimo total. A cadeia desses modelos matemáticos (Newave, Decomp e Dessem) busca esse custo mínimo e resulta no volume de geração por usina e o Custo Marginal de Operação (CMO) em uma base semi-horária. O CMO pode ser encarado como o custo do próximo incremento de carga, ou seja, do próximo MWh a ser demandado pelo sistema. Ele equivale ao custo de operação da usina mais cara a ser despachada centralizadamente pelo ONS.


O Planejamento Energético e o Dilema do Operador é algo verdadeiramente complexo, multivariável, não linear e com múltiplas soluções possíveis. Isso ocorre, pois lidar com a geração de energia é lidar com fenômenos da natureza. Fenômenos da natureza contam com certo grau de aleatoriedade, portanto, são difíceis de acertar. Para quem não entende do setor esses termos e siglas podem parecer distantes e desconexo da realidade de todos, ao passo que para quem entende, todo o exposto pode parecer muito básico ao ponto de não acrescentar conteúdo a alguém já familiarizado. Seja para um, seja para o outro, aprender como o Operador lida com o seu dilema pode ajudar as pessoas a lidarem com seus próprios dilemas.


O fato é que nós somos o Operador do sistema chamado vida. Com isso, somos confrontados constantemente com dilemas, complexos e difíceis, dotados de certo grau de aleatoriedade. Por exemplo:


“Devo estudar agora e ganhar pouco, ou nada, para ter uma profissão mais sólida no futuro? (Custo Imediato Alto), ou, devo aproveitar agora para me divertir enquanto ainda sou novo? (Custo Imediato Baixo).”


Quem opta pela primeira opção, aceita a possibilidade de o custo imediato ser muito alto em prol da expectativa do custo futuro ser baixo. Em outras palavras, pode ser que ele perca boa parte da sua juventude almejando um futuro com melhor qualidade de vida. Acontece que se sua perspectiva de futuro não se realizar ele perdeu sua juventude. Da mesma forma, quem opta pela segunda opção, prioriza prazer imediato aceitando a possibilidade de um alto custo futuro. Contudo, caso sua idealização de presente não se concretize ele terá sacrificado a qualidade de sua velhice em vão.


Aristóteles nunca ouviu falar do ONS, mas em seu livro Ética a Nicômaco deu o caminho de um modelo ideal frente a dilemas. O livro é um ensinamento de ética de Aristóteles para o seu filho (Nicômaco), mas acabou se tornando uma das principais obras sobre ética da humanidade. Para Aristóteles ética é a conduta humana que busca a felicidade, não felicidade como prazer imediato, mas felicidade como uma prática continua e virtuosa. Sendo a virtude o verdadeiro equilíbrio entre excessos e ausências. Por exemplo, a virtude como a temperança, seu excesso sendo a complacência e sua ausência transformando-se em insensibilidade. Outro exemplo, este mais famoso, é a virtude como a coragem, a imprudência como sendo seu excesso e a covardia como sua ausência.


Não temos modelos da vida como os modelos do ONS, mas somos capazes de aprender com ele na busca de uma vida feliz, isso significa dizer que é possível buscar a solução ótima entre excessos e ausências na vida. Tendo em mente que as decisões no presente trazem consequências no futuro (Interdependência Temporal). E claro, o espaço onde estamos afetam as outras pessoas ao nosso redor (Interdependência Espacial). A tomada de decisões pode se basear em uma visão de futuro de longo prazo, respondendo a simples pergunta: “quem eu quero ser em dez, ou trinta anos?”. E que podemos nos planejar de forma a otimizar nossas tarefas, dando a si mesmo diretrizes do que será feito naquele mês, ou naquele dia. Podemos ainda aprender com histórico, próprio e dos outros, ou seja, o que no passado foi feito para alcançar o melhor resultado? É reproduzível? Por fim, nada impede, com muita humildade, de revisarmos esses planos periodicamente e até mesmo improvisarmos, em tempo real, baseado em nossas expertises.


Escolher é realmente uma tarefa difícil. Quanto mais recursos se tem, melhor pode-se decidir, a filosofia, sobretudo, a ética é com certeza um desses recursos e a partir de hoje a inspiração no planejamento energético também o é.


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