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  • Alessandra Corrêa

O que podemos aprender com os preparativos para as negociações de paz na Ucrânia.


A revista inglesa The Economist publicou há dois dias, em 12 de abril de 2023, o artigo “Jonathan Powell on preparations for peace-making in Ukraine - Tony Blair’s former chief-of-staff says lessons from the Good Friday Agreement can help bring peace” (“Jonathan Powell sobre os preparativos para a paz na Ucrânia - O ex-chefe de gabinete de Tony Blair diz que as lições do Acordo da Sexta-Feira Santa podem ajudar a trazer a paz”, em tradução livre).


Jonathan Powell foi o chefe das negociações que levaram ao Acordo de Belfast (ou Acordo da Sexta-Feira Santa) que deu fim a décadas de conflitos sangrentos na Irlanda do Norte. Também participou do grupo de negociadores que trabalharam com o Presidente Juan Manuel Santos, para o fim dos conflitos com as FARC na Colômbia.


Desse excelente texto podemos tirar boas lições de como nos preparar para qualquer negociação.


Primeiro, um resumo do que diz o artigo:


Powell afirma que apesar de um acordo negociado parecer impossível agora, a guerra entre Ucrânia e Rússia será resolvida através de negociação. A única forma de resolver essa guerra de forma unilateral seria uma vitória total, como a dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, e esse não é um cenário provável. Com isso, Rússia e Ucrânia permanecerão vizinhas e um acordo de paz duradouro se faz necessário.


Ainda de acordo com o artigo, duas condições são necessárias para que negociações de paz possam ser iniciadas: é preciso que os dois países cheguem a um “impasse mutuamente prejudicial percebido" (“perceived mutually hurting stalemate”) e que haja líderes dispostos a correr riscos políticos.


Pesquisas de opinião mostram que 90% dos ucranianos têm expectativa de vitória. Ainda não há, portanto, espaço político para negociações. Mas é chegada a hora de começar a se preparar para negociações.


O diplomata e ex-chefe de gabinete do governo Tony Blair afirma que líderes têm uma estratégia antes de campanhas políticas ou militares, mas não formulam estratégias para negociar. Apenas começam a negociar e torcem pelo melhor.


Ele fala sobre a estrutura da negociação no caso de Ucrânia e Rússia. Powell acredita que um cessar-fogo seja prejudicial para a Ucrânia, pois daria tempo para a Rússia se reorganizar e voltar a atacar. Por isso, o autor julga que do ponto de vista Ucraniano é melhor continuar a “lutar e falar” ao mesmo tempo, como fez o Presidente Colombiano Juan Manuel Santos nas negociações com as FARC.


De acordo com Powell, na atual conjuntura da guerra entre Rússia e Ucrânia ainda não há uma zona de possível acordo, e isso não é incomum em negociações. As ZOPAs são desenvolvidas durante as negociações. Mas para que possa se chegar a uma zona de possível acordo, é preciso ideias criativas que se estendam além do jogo de soma-zero que envolve disputas puramente territoriais. É preciso incluir, por exemplo, uma nova arquitetura de segurança europeia e garantias de segurança para a Ucrânia.


O autor traz ainda a questão da confiança entre as partes. Os ucranianos não confiam em Putin, mas isso não deve impedir as negociações. A confiança é construída aos poucos com o estabelecimento de mecanismos de monitoramento e garantias que assegurem que cada lado vai realizar o que prometeu.


O diplomata fala ainda que Putin está dando sinais de acreditar que o tempo corre a seu favor ou que pode estar sinalizando que está pronto para uma guerra longa. Powell, então afirma que “se quisermos ter sucesso nas negociações, temos que estar tão preparados quanto ele para uma guerra longa.”


E, finalmente, Powell traz à tona uma questão comum às negociações de paz: mesmo que se chegue a um acordo, como cada lado irá vender a ideia para seu povo?


E agora, as lições que podemos tirar:


Há muitos paralelos que podemos fazer entre a situação descrita por Jonathan Powell e as negociações que fazemos em nossas vidas profissionais e pessoais.


Assim como nos casos de guerra, a única possibilidade de uma solução unilateral é uma decisão judicial favorável a uma das partes. E é difícil prever com precisão uma vitória judicial. Normalmente é importante que se tente uma forma alternativa de resolução de conflitos – negociação, mediação, arbitragem - antes de partir para uma batalha sem um prazo definido e sem garantias de vitória.


Assim como Ucrânia e Rússia permanecerão vizinhas, em muitas disputas há uma dependência entre as partes. Em disputas entre sócios ou vizinhos, a condição permanece, isto é, você provavelmente continuará sendo sócio ou vizinho daquela pessoa. Em outro exemplo, mesmo que você possa substituir um fornecedor, nem sempre uma briga vai ser mais favorável que uma saída negociada. Há que se levar em conta sua reputação e o fato de que você e aquele fornecedor podem precisar interagir no futuro em circunstâncias diferentes.


Quando ele fala de “impasse mutuamente prejudicial percebido", o paralelo que traço é que em muitos conflitos só percebemos que a negociação ou mediação podem ser boas alternativas quando a disputa entre as partes já chegou a um estágio em que ambas estão sendo prejudicadas e não há formas de antever se quem sairia vencedor se o conflito escalar.


Um ponto que chama a atenção é a afirmação de que é chegada a hora da preparação para a negociação. Assim como com líderes políticos, é comum as pessoas chegarem à mesa de negociação despreparadas para o processo em si. Armam-se de fatos, números e planilhas, mas não traçam uma estratégia. O melhor dos mundos é quando a percepção sobre os benefícios da utilização de um processo alternativo de solução de conflitos chega antes de o conflito começar a escalar. Mas mesmo que essa percepção ocorra mais tarde, quanto antes melhor. É sempre importante estarmos atentos às discordâncias e pequenos conflitos e com a forma com que eles estão sendo tratados.


Sobre a estrutura de negociação, o paralelo é mais direto: que método de resolução de conflito melhor se adequa à situação em questão? Negociação, mediação, arbitragem? Um híbrido entre essas formas? A negociação será direta ou as partes vão eleger procuradores? Em caso de mediação, quem fará parte do processo? Qual o prazo?


Normalmente é importante estabelecer se há a zona de possível acordo antes de iniciar uma negociação. Mas em casos em que a negociação é quase que obrigatória – conflitos entre sócios ou disputas familiares, por exemplo – é possível que se construa uma ZOPA após o início das conversas. Para isso é preciso sair da mentalidade de jogo de soma-zero e trazer para a negociação aspectos que possam aumentar o bolo antes de iniciar a divisão. Que outros interesses podem ser incluídos em um acordo?


Em casos de conflitos que chegam à mesa de negociação após já terem começado a escalar, é comum haver perda de confiança entre as partes. Em processos de mediação há um cuidado com a reconstrução da confiança ou, pelo menos, a construção de confiança suficiente para que o acordo seja estável e duradouro. Isso é feito durante o processo, à medida que as partes vão cumprindo acordos menores, como prazos ou entrega de documentos, por exemplo.


Assim como em diplomacia, os sinais enviados por ambos os lados são importantes, e demonstrar força e disposição para a briga em caso de necessidade, são fatores que podem garantir o prosseguimento das conversas em situações de impasse e em momentos mais difíceis da negociação.


Disputas normalmente envolvem partes compostas por mais de uma pessoa, como empresas, famílias, times esportivos. É importante pensar em como cada parte irá vender a solução para seus stakeholders. O apoio dos grupos de interesse de ambas as partes é essencial para garantir a estabilidade e longevidade do acordo.


Negociações e outras formas alternativas de solução de disputas exigem trabalho e esforço e trazem em si alguma (ou muita) pressão e uma boa dose de estresse. Uma boa preparação torna esse processo mais palatável e aumenta as chances de se chegar a um acordo mutuamente benéfico.


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