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  • Luan Vieira

O Proinfa, a capitalização da Eletrobrás e o embate entre esquerda e direita


Todos os antecessores da geração Millenials (e alguns da Geração Z) têm na memória, dentre as diversas crises que o Brasil já passou, a crise energética de 2001. Neste ano em questão, houve apagões por todo o Brasil, causando diversos infortúnios a toda a população, dentre eles, os próprios blackouts, o racionamento de energia e uma inflação galopante no setor. Todo esse transtorno deveu-se, como é de costume, ao casamento entre o azar e o mal planejamento, causando diversos desdobramentos - impactando até mesmo a eleição presidencial. Desde então, intensificou-se a mistura ocasional entre os temas energia e política.


A parcela de culpa correspondente ao azar foi a falta de chuvas. O Brasil naquela época tinha praticamente uma dependência total das usinas hidrelétricas (cerca de 90%), ficando muito exposto ao risco hidrológico. Não chover significa a não recuperação dos reservatórios, que por sua vez, significa menos oferta de insumo para a geração de energia no país. Como mantiveram-se demanda e consumo, o que aconteceu foi uma crise de oferta causada pela falta de chuvas.


Se por um lado houve azar, por outro houve falta de planejamento - ficar exposto somente ao risco da performance do regime de chuvas é colocar a sorte do país ao acaso de um fenômeno da natureza. Aparentemente, o governo da época aprendeu a lição e iniciou alguns programas para incentivo na diversificação das fontes de oferta de energia. Ou seja, quanto maior a diversificação das fontes, menor o risco de faltar energia. Obviamente, por uma condição geopolítica e econômica, o Brasil ainda possui como maior fonte de energia as hidrelétricas, mas em uma proporção bem menor se comparado a 2001 (cerca de 60%).


Foi nesse contexto de crise energética que em 2002 criou-se o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas). Estabelecido na Lei 10.438/2002 e regulamentado pelo Decreto 5.025/2004, com o objetivo de diversificar a matriz Energética Brasileira promovendo o incremento de 3,3 GW de potência instalada por meio de fontes alternativas (PCH, eólica e biomassa).


Para operacionalização do programa, houve chamada pública por parte do governo para a seleção das usinas participantes. As usinas selecionadas celebraram contratos por 20 anos de duração tendo a Eletrobrás como contraparte. A Eletrobrás assumiu o papel de agente de comercialização do Proinfa (ACEP). O ACEP é responsável por consolidar o PAP (Plano Anual do Proinfa) o qual é submetido à aprovação da ANEEL.


Após aprovado, a ANEEL realiza a divulgação dos custos do Proinfa via resolução homologatória para o ano seguinte (para 2022, por exemplo, é a REH 2.995/2021). Recentemente, no dia 09/12/2022, a ANEEL divulgou as quotas de custeio para 2023 (REH 3.147/2022). O montante aprovado pela ANEEL é distribuído como quotas de energia para todos os consumidores (livre e cativos) proporcionalmente ao consumo do ano anterior.


No ACL (Ambiente de Contratação Livre), o consumidor recebe esta quota por meio de um contrato que tem como contraparte o ACEP - contrato que compõe a carteira de recursos do consumidor, contabilizando como lastro. Já no ACR (Ambiente de Contratação Regulado), esta energia é considerada e entregue pelas transmissoras, distribuidoras e permissionárias.


O valor de custeio do Proinfa é, portanto, pago por todos, e dividido em quotas mensais, recolhidas pelas distribuidoras, transmissoras e cooperativas permissionárias. Os custos estão incluídos na TUST/TUSD, classificado como Parcela A (custos não gerenciáveis). Os valores recolhidos são repassados à Eletrobras e apurados pela CCEE. Por fim, a Eletrobrás faz o ressarcimento das usinas participantes do programa.


Em 2022, o programa apresentou um custo total médio de R$ 6,3 bilhões, o que levou a um preço total médio de R$ 569,89/MWh. A fonte alternativa mais competitiva foi a biomassa, com um preço médio de R$ 348,07/MWh, as PCH’S tiveram um custo médio de R$ 435,37/MWh e as eólicas protagonizaram como a fonte mais cara, R$ 738,16/MWh.


Para o ano de 2023, houve redução no custo total do programa para R$ 5,45 bilhões. O preço total médio em comparação a 2022 também diminuiu sendo de R$ 486,89/MWh. Contudo, como a própria ANEEL pontua, a redução se deu principalmente devido ao saldo em conta do Proinfa remanescente de 2022. No que diz respeito ao preço médio por fonte, houve um aumento generalizado, sendo que a fonte alternativa mais competitiva segue sendo a biomassa, com o preço médio de R$ 375,81 /MWh, as PCH’S estão com preço médio de R$ 470,85/MWh e as eólicas seguem protagonizando como a fonte mais cara, R$ 799,06/MWh.


Ao confrontar esses preços aos negociados atualmente no mercado nota-se que, apesar do Proinfa ter tido a sua importância na época da sua criação, o Brasil atualmente encontra-se em outro momento - e talvez a continuidade do Programa não seja tão necessária, podendo e devendo ser inclusive debatida. Sobretudo por conta do seu alto custo, que onera os consumidores e contraria o princípio da modicidade tarifária previsto na Lei 8.987, de 1995.


Ainda assim, o processo de capitalização da Eletrobrás, iniciada pela MP 1.031/2021 convertida em Lei 14.182/2021 e regulamentada pelo Decreto 10.798/2021, culminou na prorrogação dos contratos do Proinfa por mais 20 anos.


Este é o ponto onde os três assuntos se conectam: política, Proinfa e capitalização da Eletrobrás. A política persevera a cultura herdada de se envolver em assuntos técnicos (caso do setor energético), mantendo o hábito de misturar assuntos distintos em uma mesma discussão. A grande mídia, e até mesmo alguns personagens do meio político, por sua vez, reverbera a superficialidade, restringindo-se a pautas simplórias de esquerda e direita - por exemplo, pró ou contra a privatização de uma estatal. Como é de costume, a direita dita liberal, manifesta-se a favor em nome da livre concorrência, mercado mais justo e mais moderno. Já a esquerda convencional manifesta-se contra, alegando risco de desemprego em massa, monopólio e aumento dos preços.


No entanto, um assunto com o nível de tecnicidade como a capitalização da Eletrobras é muito maior do que esquerda e direita: é uma pauta de interesse global. Em especial em casos como este, onde o legislativo acrescenta ao bolo assuntos tão relevantes quanto a própria capitalização, os ironicamente chamados jabutis.


O termo jabuti é um jargão da política vinda de uma frase atribuída ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães, que dizia que "jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente". Na prática, trata-se de uma "maracutaia" que ao inserir em uma medida provisória assuntos sem relação com o tema inicial da proposta. No caso da MP da Eletrobras, os temas alheios à capitalização foram:

  • Obrigação de contratar 8 GW de usinas térmicas a gás natural;

  • Prorrogação dos atuais contratos do Proinfa por mais 20 anos, mediante concordância do gerador; e

  • Obrigação de contratar PCH’s nos próximos Leilões.

A ampliação de escopo para os assuntos citados representa um aumento do risco regulatório no setor - e um retrocesso em termos de um setor mais confiável, competitivo e moderno.


Dessa forma, do ponto de vista técnico, tanto para a capitalização da Eletrobrás quanto para a renovação do Proinfa, a resposta foge do convencional “sim ou não” e se abraça ao “depende”. É uma resposta complexa, mas não impossível de ser dada, pois depende, por exemplo, de “como” e “por quanto tempo” - dentre outras inúmeras perguntas que nascem dessas.


Em relação ao Proinfa, por exemplo, diversos contratos teriam sua validade até 2031. Todos são indexados ao IGP-M, o que está fora do padrão de mercado atual de utilização do IPCA. Os geradores que escolherem aderir a renovação, irão renunciar aos preços atuais (com reposicionamento do preço ao preço-teto do LEN A-6/2019), reindexar os novos preços ao IPCA e perderão o direito de descontos nas tarifas TUSD/TUST. Em contrapartida, haverá a prorrogação por mais 20 anos dos contratos nestes novos termos, bem como a renovação automática da outorga pelo mesmo período da vigência dos contratos prorrogados.


Assim, conclui-se que a renovação do Proinfa é uma questão bifocal. O primeiro foco é a preocupação acerca do verdadeiro impacto desse item na tarifa em 2023, podendo causar um efeito de redução imediata. O segundo foco é no futuro, isso porque, considerando o novo prazo para término do pagamento desse encargo, os custos totais até 2051 poderão e deverão superar os custos atuais.


Independentemente da conclusão final, a decisão já foi tomada unilateralmente por parte do governo. Primeiro quando iniciada pelo então Presidente da República Jair Bolsonaro através de uma medida provisória (recurso do executivo com força de lei para tratar de situações urgentes), segundo quando incrementada com os jabutis pelo próprio legislativo.


Assuntos dessa magnitude e complexidade deveriam ser amplamente discutidos pela sociedade civil, preferencialmente fugindo do debate raso que separa esquerda e direita - pois, como exposto anteriormente, são assuntos de interesse global. Assim, estes temas deveriam seguir o exemplo de outros assuntos do setor, como a abertura de mercado ou a separação entre lastro e energia - e deveria ter sido objeto de consulta pública. Não apenas a capitalização da Eletrobras em si, mas também para cada um dos jabutis incluídos. Só então, a partir da colaboração das sociedade, associações setoriais e grandes instituições do setor, seria possível chegar a um consenso maior em torno destes temas.


Já que não é possível mudar o passado, espera-se que, no futuro, esses e outros temas relevantes sejam tratados com a maior transparência possível, trazendo previsibilidade e segurança ao setor. Uma nova gestão política se inicia, há de se esperançar que uma nova cultura política regulatória também.



*Luan é engenheiro eletricista pela Universidade Federal de Itajubá, analista de energia e aluno da Head Energia.

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