O Brasil sempre chega atrasado
- Fernanda Tomé
- 15 de jul.
- 2 min de leitura
Por Fernanda Tomé
A transição energética não é mais uma agenda de futuro — é uma realidade que já estrutura o presente de países que levam a sério sua soberania energética e digital. Enquanto isso, o Brasil, detentor de uma das matrizes mais limpas do mundo, segue tropeçando na própria burocracia, travado por decisões fragmentadas, subsídios mal calibrados, lobbies persistentes e uma espantosa dificuldade em coordenar planejamento com execução.
Há anos convivemos com contradições que se agravaram em vez de serem corrigidas. Temos uma matriz majoritariamente renovável, mas enfrentamos curtailment de eólicas e solares ao mesmo tempo em que acionamos termelétricas emergenciais — muitas delas caras, inflexíveis e mal localizadas. Falta visão sistêmica. Falta coragem para tratar os diferentes atributos das fontes com racionalidade técnica, e não por conveniência setorial.
Grandes cargas seguem impossibilitadas de conexão. Projetos de hidrogênio verde travam antes mesmo de sair do papel. E o armazenamento, que poderia mitigar parte dos desequilíbrios do sistema, permanece sem regulação. O país que poderia liderar a integração de soluções inteligentes continua dependente de paliativos e improvisações. A lentidão crônica do Estado brasileiro se transforma, na prática, em desestímulo ao investimento e perda de competitividade.
Enquanto isso, o mundo não espera. Os Estados Unidos discutem data centers alimentados por reatores nucleares modulares. A China lança data centers submarinos, que eliminam a necessidade de estruturas gigantescas em terra e resolvem de forma elegante a questão do resfriamento. E nós? Nós ainda debatemos a contratação de térmicas a gás natural onde não há demanda — ou, mais recentemente, de PCHs com “inflexibilidade”.
As agências reguladoras, que deveriam coordenar esse movimento com autonomia e protagonismo, são sistematicamente esvaziadas. Cortes orçamentários, recolhimento de receitas pela União e ingerência política comprometem sua capacidade técnica. Sem estrutura, sem respaldo e sem prioridade, a regulação se torna reativa e defasada. Some-se a isso a fragmentação institucional entre setores, e o resultado é um país que não sabe — ou não consegue — construir coerência entre sua matriz, sua infraestrutura e seus objetivos estratégicos.
O problema dos subsídios também resiste. Mesmo com décadas de amadurecimento institucional, o setor elétrico continua operando com incentivos que distorcem os preços, inibem soluções mais modernas e sustentam artificialmente segmentos que deveriam evoluir por mérito técnico. Falta coragem para revisá-los — e sobra pressão para mantê-los.
O Brasil tem sol, vento, biomassa, gás natural, potencial hídrico e capacidade técnica. Mas tem também uma inércia institucional que transforma abundância em atraso. E cada ciclo perdido custa caro: custa segurança energética, custa credibilidade internacional, custa oportunidades que não voltam.
Esta é uma análise técnica e apartidária. Não se trata de apontar nomes, mas de reconhecer as falhas estruturais de um modelo decisório que ainda não compreende a urgência, a complexidade e a interdependência setorial que a transição energética exige.




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