Por Isaaque Félix *
Como desdobramento da lei 14.182/2021, conhecida como lei da privatização da Eletrobrás, em junho deste ano, a estatal foi finalmente capitalizada, deixando de ter como acionista majoritário a União e passando o controle à iniciativa privada, permanecendo ainda o “Golden share”, ou “Voto de Minerva” como medida em que a União mantém poder de veto, para casos em que a decisão atinja itens de estratégia nacional.
Em decorrência desta lei, conforme consta em seu inciso III do artigo 5º, a contratação da energia proveniente das usinas da Eletrobrás, atualmente no regime de cotas, deixa gradativamente este formato de contratação em um período que deve ser entre 5 e 10 anos. Segue o referido trecho da lei abaixo:
“Art. 5º Caberá ao CNPE estabelecer o valor adicionado pelos novos contratos de concessão de geração de energia elétrica e fixar os valores de que tratam os incisos I e II do caput do art. 4º desta Lei.
§ 1º Para o cálculo do valor adicionado à concessão, serão consideradas:
I - a alteração do regime de exploração para produção independente;
(...)
III - a descontratação da energia elétrica contratada nos termos do art. 1º da Lei nº 12.783, de 11 de janeiro de 2013, para atender ao estabelecido no inciso III do caput do art. 4º desta Lei, de forma gradual e uniforme, no prazo mínimo de 5 (cinco) anos e máximo de 10 (dez) anos; e”
Mas o que são estas cotas? As cotas da Eletrobrás são contratos de venda de energia e de potência (CCGFs) entre as usinas da Eletrobrás e as Distribuidoras de energia, firmados de forma compulsória entre ambas as partes a um preço médio, atualmente em torno de R$ 70,00 por MWh.
Ou seja, com esta medida as usinas deixariam a obrigatoriedade da venda desta energia às Distribuidoras por este preço, podendo realizar esta venda de energia, ao mercado livre, por exemplo, ao preço médio deste mercado, que hoje permeia os R$ 160,00 por MWh para este tipo de energia.
Diante disto, como também consta na lei, o Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, publicou a Resolução CNPE nº 15 de 2021, cujo objetivo, foi estabelecer o formato desta “descotização”, assim como firmar o seu período em 5 anos, iniciando com 20% no segundo semestre de 2023 e somando cumulativamente 20% ao ano, até zerar as cotas no segundo semestre de 2027, conforme anexo IV da referida Resolução, ilustrado abaixo:
E qual o impacto disto? Bom, há diversos impactos possíveis no setor de energia, tendo em vista que se tratam de 14 usinas de geração da Eletrobrás que hoje operam neste sistema de contratação por cotas compulsórias às Distribuidoras e que passarão a retirar deste regime e preço médio de R$ 70,00 por MWh, em torno de 1,2GW médios anuais (correspondente a cada 20% anual).
Abaixo pontuo dois dos mais prováveis, dentre os possíveis cenários.
Cenário 1: A energia descotizada é recontratada pelas Distribuidoras por meio de leilões de energia existente.
Neste cenário, a atual energia comprada pelas Distribuidoras ao preço de R$ 70,00 por MWh, passaria a ser comprada agora a preço de leilão de energia existente (para usinas que já estão em operação), ou leilão A-1, onde a energia é comprada para consumo no ano seguinte. Tendo em vista que o preço médio deste tipo de leilão atualmente permeia os R$ 200,00 por MWh, teríamos neste caso, comparando com o antigo preço, um encarecimento do custo de aquisição de energia das Distribuidoras, e os consumidores cativos residenciais, seriam impactados negativamente com uma tarifa mais cara.
Este cenário é provável, porém, o nível de sobrecontratação das Distribuidoras é um fator que pondera a possibilidade de recontratação total desta energia, podendo haver uma recontratação parcial com o montante remanescente, ou seja, o saldo de energia não negociada nestes leilões indo, para a competição no mercado livre, por exemplo.
Há que se falar que, recentemente, o MME cancelou um leilão de energia nova (para usinas que ainda vão ser construídas), leilão A-6, devido à falta de apetite das Distribuidoras em comprar energia a longo prazo, justamente pelo atual cenário de sobrecontratação agravado pelo aumento da MMGD e a possibilidade de abertura do mercado trazida pelo Projeto de Lei 414/2021 de abertura total do mercado de energia e a Consulta Pública do MME nº 131/2022, que objetiva abrir o mercado livre apenas para o Grupo A já em 2024, que é composto em maior parte, pelos clientes atendidos em média tensão.
Cenário 2: A energia descotizada vai para a competição no mercado livre de energia
Neste cenário, temos uma possibilidade de sobreoferta no mercado livre de energia, considerando que a cada ano, a partir do segundo semestre de 2023, entrariam cumulativamente 1,2GW para competir com os atuais players, que são os geradores, autoprodutores, comercializadores e consumidores livres.
Ou seja, a Eletrobrás, atualmente a maior empresa de geração no país, passaria a ser mais um player competindo neste mercado, chegando com um portfólio expressivo em montante de energia, e que, por hoje, realizar a venda por meio de cotas de R$ 70,00 por MWh para as Distribuidoras, por meio dos CCGFs, poderia se valer de preços muito mais competitivos do que o valor médio de R$ 160,00 por MWh praticados atualmente neste mercado, puxando quase que inevitavelmente o preço da energia de todo o mercado concorrencial para baixo também.
Neste caso, a possibilidade é de uma energia mais barata no mercado livre, causando possíveis “quebradeiras” em players que não tenham condições de suportar esta variação nos preços. Por outro lado, este cenário pode proporcionar boas oportunidades de aquisição de empreendimentos de geração ou até de empresas menores por outros grupos maiores que tenham maior condição de estabilidade.
Há outros itens que podem trazer ainda mais instabilidade a estes cenários, como a citada abertura de mercado para o Grupo A em 2024, já proposta pelo MME por meio da Consulta Pública nº 131/2022 ou a possibilidade da entrada de um outro pacote de energia no mercado, desta vez de Itaipu, que assim como para a Eletrobrás, também pode ser “descotizado” nas Distribuidoras e ir a mercado, agravando ainda mais os impactos citados anteriormente, mas estes eu vou deixar para um próximo artigo...
* Isaaque Félix é aluno da Head Energia, Analista de Regulação Estratégica de Mercado, Tecnólogo em Gestão Empresarial, Técnico em Eletrotécnica e graduando em Engenharia Elétrica.
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