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Henrique Travalini e Daniel Lucio

Serviços Ancilares, que bicho é esse? Qual a sua relação com novas tecnologias? Quais os desafios frente às fontes renováveis intermitentes?



O Setor Elétrico Brasileiro (SEB) vem passando por grandes mudanças em sua matriz elétrica com notável crescimento de fontes renováveis e intermitentes na última década, como as fontes solares e eólicas. Este crescimento vem sendo impulsionado não só pela evolução tecnológica e aumento de competitividade de tais fontes, mas também pela necessidade de sustentabilidade, eficiência e pelos compromissos assumidos pelo Brasil em fóruns internacionais a fim de atingir sua meta de redução de gases de efeito estufa até 2050.


Ocorre que, embora as fontes renováveis tenham surgido como grande solução para a transição energética, desafios operativos têm sido cada vez mais enfrentados devido à falta de despachabilidade e intermitência destas fontes. Dado esse cenário, cada vez mais serviços que visam garantir a estabilidade e confiabilidade do sistema têm sido requisitados. Tais serviços são denominados como “Serviços Ancilares”.


Dentro desse contexto, discussões sobre como remunerar a prestação desses serviços ancilares têm tomado cada vez mais espaço no setor. Mas antes de entrar nessa temática, vamos entender primeiro o que são serviços ancilares, quais os tipos de serviços, como atualmente são remunerados e qual a regra que se aplica.


  1. O que são serviços ancilares?

De uma maneira simplista, são ações que permitem manter a operação do sistema elétrico de forma estável. De forma análoga, pode-se exemplificar como se fosse a ação da vara de contrapeso que um equilibrista utiliza para atravessar uma corda bamba. Trazendo o mesmo conceito para o SEB, são serviços necessários para garantir que o sistema elétrico, da geração ao consumo, funcione de forma adequada e sem riscos de colapso, uma vez que os próprios agentes e usuários da rede causam interferências no sistema, porém, em muitos casos, o serviço de corrigir estas variações é fornecido de forma natural, pelo simples fato de um agente exercer a sua própria atividade fim de gerar, consumir ou distribuir energia, dependendo de sua tecnologia e características técnicas.


  1. Quais os tipos de serviços?

Os serviços dependem do tipo de equipamento, tipo de fonte e a tecnologia da fonte de geração implementada. Na geração de energia, estes serviços são fornecidos, em sua maioria, por empreendimentos hidrelétricos e termelétricos, dadas as características destas fontes. Como exemplo dos serviços prestados temos:


  • Controle primário/secundário de frequência: O controle de frequência visa preparar o sistema para o ajuste automático da geração frente a variações do consumo. Por analogia, funciona como se uma fila de crianças de várias idades estivesse pulando corda onde, a depender da idade e capacidade, a velocidade de giro deve acompanhar cada criança na fila. Esse ajuste automático da velocidade da corda é o mesmo processo do controle de frequência prestadas pelas usinas, atendendo diversos perfis de consumo. No setor elétrico, o controle é verificado através de equipamentos chamados de reguladores automáticos de velocidade das unidades geradoras (primário) ou pelo próprio controle de velocidade das unidades geradoras do parque gerador (Controle Automático de Geração - CAG) (secundário) a fim de conseguir manter ou restabelecer a frequência do sistema de um determinado circuito ou região sempre que existir um desequilíbrio entre Geração e Carga.

  • Compensação de Reativos: No caso de suporte de reativos, podemos recorrer à analogia do copo de chopp, onde o líquido representa a potência ativa e a espuma a potência reativa. Portanto, um copo com muita espuma acaba por diminuir o volume do líquido, ao passo que um copo com pouca ou sem espuma acaba por oxidar e esquentar o líquido. No fim o que se busca é um equilíbrio entre o volume de líquido e temperatura certa do chopp. Neste caso, o suporte de reativo funciona como o regulador do colarinho do chope, consumindo excesso de reativo ou fornecendo reativo no copo, mantendo sempre o equilíbrio ideal necessário. Na geração, é a capacidade do parque gerador em fornecer ou absorver uma determinada quantidade de Potência Reativa, através de suas máquinas que compõem as Unidades Geradoras, sendo fundamental para o controle de tensão do sistema.

  • Capacidade de Autorrestabelecimento (Geral ou Parcial) do parque gerador, que mede a capacidade do parque de sair de uma condição de não operação para uma condição de operação total ou parcial, contribuindo de forma efetiva para a recomposição do sistema elétrico e segurança do suprimento, conforme demanda do ONS (Autorrestabelecimento Geral) ou a capacidade de alimentar seus componentes internos e serviços auxiliares a fim de recompor sua geração auxiliando também na recomposição do sistema elétrico (Autorrestabelecimento Parcial).

Além destes, há dois serviços considerados ancilares remunerados que atuam como ações protetivas da operação em tempo real: Sistemas Especiais de Proteção (SEP) e Recomposição de Reserva Operativa (RRO) onde:


  • Sistema especial de proteção (SEP) que abrange sistemas específicos que possuem ações automáticas para preservar a integridade do Sistema Interligado Nacional (SIN) sempre que é detectado risco para o sistema de rede elétrico.


  • Manutenção da reserva de Potência Operativa (RRO), geralmente prestado quando o ONS despacha térmicas para que seja possível segurar a água no reservatório das usinas hidrelétricas, criando sinergia para que a hidros possam na sequência ou no futuro conseguir prestar o serviço de controle de frequência.


  1. Qual a regra aplicável? 

A Resolução Normativa 1.030/2022, de 26 de julho de 2022, estabelece todos os procedimentos para a prestação de cada um dos tipos de serviços ancilares, bem como as formas de contratação e remuneração.


  1. Como são remunerados? 

Os serviços ancilares são custeados por todos os consumidores através do Encargos de Serviço do Sistema (ESS), conforme regulamentação vigente da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).


Para os serviços de Autorrestabelecimento, Controle de frequência e SEP, os agentes prestadores dos serviços recebem pagamentos fixos anuais (R$/ano), previamente anuídos pela ANEEL. Já para o serviço de Suporte de Reativos e a RRO, estes recebem valores de forma variável, ou seja, de acordo com a quantidade do serviço prestado e em R$/MVAr-h e R$/MWh, respectivamente.


Conforme dito, os valores fixos anuais são definidos e anuídos pela Aneel, por meio de Resolução Autorizativa. Já os valores para a prestação de Suporte de Reativos, são definidas tarifas através de resoluções homologatórias e são denominadas como Tarifa de Serviços Ancilares (TSA).


O valor da manutenção da reserva de potência está diretamente vinculado ao Custo do despacho da usina termelétrica, conhecido também como Custo Variável Unitário (CVU), e está limitado em 130% do CVU da usina que oferece o serviço.


Ainda, além dos pagamentos oferecidos pelos serviços apresentados acima, as usinas também podem ser ressarcidas dos custos incorridos com a implantação de reforços ou de novos equipamentos, lembrando que estes também devem ser reconhecidos e anuídos pela ANEEL.


Inserção das Fontes Renováveis – Desafios e Oportunidades 

A inserção das fontes renováveis não despacháveis trazem desafios operativos decorrentes da intermitência do seu recurso e o aumento de sua participação na matriz elétrica brasileira tem provocado diversas discussões e demandado soluções avançadas para lidar com os problemas causados por estas variações de energia. A busca por soluções avançadas é constante, fomentando uma corrida acirrada da indústria na intenção de trazer equipamentos com novas tecnologias e melhorando a eficiência dos sistemas já existentes.


Como solução, muito tem se estudado a flexibilidade oferecida pelas baterias como uma resposta multifacetada. Essas soluções não só trazem novas oportunidades aos desafios técnicos, como também contribuem para o desenvolvimento de novos negócios, novamente aquecendo o mercado e indústria, além de trazer grandes e importantes investimentos para todos os setores desta cadeia produtiva.


Perspectivas Futuras - Consulta Pública ANEEL 044/2023 

Durante os meses de dezembro de 2023 e janeiro de 2024, a ANEEL abriu a Consulta Pública nº 044/2023 (CP 044/2023) para discutir novas formas de contratação e remuneração do Serviço Ancilares de Compensação de Reativo. Na proposta, foi sugerido que fosse criado um Ambiente Experimental (Sandbox) com regras próprias para que novas formas de contratação e remuneração possam ser implementadas.


Na abertura da consulta, foram recomendadas pela ANEEL e pelo ONS seis subestações de 500 kV para fazerem parte do estudo do Sandbox, todas localizadas no estado de MG. A justificativa para tal escolha foi de que a região do norte de Minas Gerais tem enfrentado uma forte necessidade da utilização desse serviço visto a expansão de Micro e Minigeração Distribuída no estado, além da expansão das fontes solar e eólicas próximas à região. Outro ponto a ser mencionado é que quaisquer tipos de fontes poderão participar do Sandbox, desde que atendam os requisitos técnicos operacionais que ainda necessitam ser definidos pelo ONS.


No que tange a modalidades de contratação e de remuneração serão testadas tarifas fixas, variáveis e remuneração via leilão (BID). Os resultados obtidos serão utilizados para uma futura atualização na norma, visando atender as necessidades do sistema e tornar o mercado de serviços ancilares mais atrativo e justo a quem os presta.

O tempo de estudo será de 18 meses após início do contrato firmado de participação do Sandbox e terá a necessidade de entrega imediata. Aguarda-se ainda o resultado da CP 044/2023 a fim de entender os próximos passos.


Conclusão

Embora a temática de serviços ancilares seja um assunto já conhecido e regulamentado, a nova configuração do sistema na matriz elétrica brasileira, enseja uma atualização a fim de superar paradigmas e remunerar corretamente os prestadores desse serviço cada vez mais constante e necessário.


O aumento das fontes renováveis não despacháveis trazem consigo desafios operativos decorrentes da intermitência do seu recurso, trazendo discussões e demandado novas soluções para lidar com as consequências causadas pelas variações de energia dos recursos intermitentes. Essas soluções não só trazem novas oportunidades aos desafios técnicos, como também contribuem para o desenvolvimento de novos negócios, fomentando ainda mais a indústria e trazendo grandes investimentos para todos os setores desta cadeia produtiva.


A evolução constante dessa temática reflete não apenas uma resposta às demandas atuais, mas também uma visão proativa para os desafios futuros. À medida que o setor se adapta a um cenário dinâmico e sustentável, além de atender às necessidades operacionais atuais, a integração harmoniosa dessas soluções pavimenta o caminho para um setor robusto e resiliente.


Por fim, essa jornada rumo a um futuro energético mais eficiente destaca o papel crucial da participação de toda a cadeia de agentes e além de resgatar a importância dos órgãos reguladores, que têm a missão de proporcionar um ambiente de discussão e participação de forma ativa de todos os Agentes, construindo ideias, reforçando conceitos e trabalhando em conjunto para o desenvolvimento de políticas públicas, a fim de estarmos todos preparados para os desafios e oportunidades dessa nova “próxima era”...

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