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Seria esse o irmão gêmeo do MRE?

Henrique Travalini

Este artigo visa trazer uma breve explicação e discussão acerca da 3ª fase da Consulta Pública 045/2019 da ANEEL que tem por objetivo colher subsídios para estabelecer os critérios operativos para redução ou limitação de geração


Como se sabe, um dos principais problemas hoje enfrentados no setor elétrico versa sobre o constrained-off que usinas eólicas, solares e hidráulicas vêm sofrendo, principalmente após o black-out ocorrido no dia de 15 de agosto de 2023.


Atualmente, o Operador Nacional do Sistema (ONS) não possui um normativo com definições de como ele deve operacionalizar ou priorizar quais usinas que serão restringidas para atender as necessidades do sistema conforme as classificações existentes, sendo elas: i. restrições por indisponibilidade externa; ii. restrições por confiabilidade elétrica; e iii. restrições por questões energéticas.


Com o intuito de criar tal normativo, a ANEEL vem discutindo este tema desde 2019 através da CP 045/2019. Ao longo dos anos, os agentes do setor já contribuíram em duas fases distintas e, mais recentemente, a ANEEL abriu a terceira fase de discussão até 10/02/2025 com nova proposta após as contribuições recebidas das fases anteriores e conhecimentos adquiridos com o agravamento dos cortes nos últimos anos.


De forma idêntica a segunda fase, a ANEEL propõe nesta terceira fase que o ONS operacionalize os cortes conforme os critérios abaixo:


1. Cortes Energéticos (Falta de Demanda)

O racional divulgado pela ANEEL para essa classificação é a de que os cortes devem ser alocados prioritariamente em usinas que aliviarão encargos para o consumidor, posteriormente em usinas que seriam neutras em aumento ou alívio de encargos e por fim em usinas que aumentam encargos ao consumidor . A ordem proposta pela agência pode ser ilustrada na Figura 1:


Figura 1 - Classificação de cortes proposto pela ANEEL


2. Cortes elétricos (Por confiabilidade ou por indisponibilidades externas)

Já para os cortes elétricos, o ONS deve realizá-los na ordem decrescente de usinas que solucionam o problema apontado de acordo com sua matriz de sensibilidade. Um exemplo de tal mecanismo pode ser visto na Figura 2.

Figura 2 - exemplo sobre cortes elétricos e a matriz de sensibilidade


A grande inovação dessa terceira fase vem nos efeitos efetivamente sentidos pelas usinas frente as restrições. Se por um lado na segunda fase da CP 045/2019 a usina restringida era a que de fato sofreria os efeitos da restrição, a terceira fase propõe que a CCEE e o ONS estabeleçam um acordo operacional para que na pós operação os cortes sejam redistribuídos entre as usinas.


Para os cortes por razão energética, a redistribuição ocorreria quando o operador efetuasse as restrições nas usinas dentro do Bloco 2 d). A justificativa da agência é que não há diferença técnica ou econômica entre verter água, vento ou o potencial solar, sendo que qualquer usina no país poderia ser restringida neste caso. Logo, na etapa de pós operação, o corte que foi alocado a uma ou um grupo de usina seria redistribuído entre todas as demais do Bloco 2 d) proporcionalmente a Garantia Física (GF) de cada usina. A limitação existente é que cortes que ocorrerem no N/NE seriam redistribuídos apenas entre usinas dessa mesma região e cortes ocorridos no SE/CO/S também apenas seriam redistribuídos entre usinas dentro dessa mesma região.


Já para os cortes elétricos, a redistribuição ocorreria entre as usinas que poderiam ser restringidas na matriz de sensibilidade, porém seguindo o seguinte critério: 1. Que possuem pareceres de acesso com indicação preliminar de restrição. 2. Que estão em operação comercial, mas apenas com a Declaração de Atendimento aos Procedimentos de Rede/Provisório (DAPR/P) e não com a Definitiva (DAPR/D). 3. Ao restante das usinas proporcionalmente a GF.


Em que pese que na opinião deste autor a proposta seja interessante e com a melhor das intenções, há muitas arestas a serem aparadas e questões a serem respondidas. Vamos nelas:


  1. Atualmente usinas conectadas na rede de distribuição não sofrem com cortes de geração visto que os cortes são realizados pelo ONS e tais usinas não são supervisionadas e/ou despachadas por eles. Com a proposta de rateio, essas usinas serão incluídas no rateio?


  2. A Nota Técnica de abertura da CP e o Voto da Diretora Relatora Agnes pontuam muito bem sobre um dos grandes causadores dos cortes de geração: a expansão exponencial da Micro e Mini Geração Distribuída (MMGD) com mais de 35GW de capacidade instalada no Brasil nos últimos 3 anos. Sendo ela também uma das causadoras desse cenário de sobre oferta de energia, tal segmento não deveria fazer parte do rateio dos cortes energéticos?


  3. Não só uma realocação de cortes deverá ser realizada, mas também uma realocação da energia gerada entre as usinas. Ora, se a usina A foi limitada em 100% e outra B em 0%, ao se alocar um corte da usina A para a B, nada mais lógico que também ocorra uma redistribuição da energia gerada da usina B para a usina A. Aqui surgem as principais dúvidas e complexidades.


a. Tal qual como o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) compartilha riscos e ganhos entre os agentes hidrelétricos mediante o pagamento de uma tarifa específica (TEO), caberia aqui o pagamento de uma TEO também para as fontes eólicas e solares?


b. Ao se transferir cortes e energia entre usinas eólicas, solares e hidrelétricas, como ficará o funcionamento do MRE? A geração de uma usina solar/eólica entrará na base de cálculo de energia gerada das usinas hidrelétricas para fins de cálculo do MRE?


c. Há sentido em separar as realocações entre bloco N/NE e SE/CO/S sendo que o MRE é realizado considerando todos os submercados? Quais seriam os impactos no MRE com tal separação?


d. Enquanto há previsão legal para a existência do MRE na Lei 9.648/1998 e no Decreto 2.655/1998, há previsão legal para o compartilhamento dos cortes e da energia gerada entre todas as usinas?


Para concluir, estamos diante de uma das grandes discussões do setor dos últimos anos e que como é de se imaginar, não é nada trivial. Assim, é imprescindível que haja uma discussão robusta e, mais importante que isso, imparcial para que seja formulada um regramento justo e que minimize o impacto do setor como um todo, trazendo de volta segurança aos investimentos no país e alocando corretamente riscos e custos a todos.



*Henrique Granato Travalini é Analista Regulatório Sênior, engenheiro eletricista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Mestrando em Planejamento de Sistemas Energéticos pela UNICAMP

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