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Bruna Dandara

O cenário tributário e regulatório após a publicação da Lei 194/2022: o ICMS e os encargos no fio B


As discussões que culminaram na publicação da LC 194/2022[1], que determinou a aplicação da alíquota geral (17%) do ICMS para as mercadorias essenciais, bem como para os encargos de transmissão (TUST) e distribuição (TUSD), não são novas. São reflexo da decisão da Suprema Corte no julgamento do Recurso Extraordinário nº 714.139 (Tema 745), cujo julgamento foi aguardado por cerca de dez anos.


O Plenário analisou se a incidência da alíquota de 25% de ICMS fixada pelo estado de Santa Catarina (SC) sobre o fornecimento de energia elétrica e a prestação do serviço de comunicação violaria o princípio constitucional da seletividade do ICMS, que determina a graduação do imposto em função da essencialidade das mercadorias e serviços tributados.


O julgamento do RE 174.139 fora emblemático dada sua matéria, mas também o contexto histórico e social em que foi consagrada sua decisão. A situação de pandemia devido ao COVID -19, e seus reflexos sociais e econômicos, evidenciaram a necessidade de discutirmos temas como a racionalização dos encargos e o acesso universal dos serviços de energia elétrica.


Isso porque a regra da seletividade significa que o ICMS poderá ser seletivo (maior ou menor) em função da essencialidade da mercadoria e dos serviços em que incidirá, de maneira que, quanto mais essencial for a mercadoria ou o serviço, menor deverá ser a alíquota incidente.


O critério constitucionalmente estabelecido para aplicação da seletividade é a essencialidade, conforme disposto no artigo 155, § 2º, inciso III da Constituição, que é o único critério reconhecido pela Constituição para a aplicação da seletividade. Assim, a essencialidade das mercadorias é a única possibilidade pela qual o legislador estadual pode graduar a alíquota seletiva do ICMS.


Nesse sentido, a conclusão do julgamento do RE 179.139, que consagrou o entendimento de que as alíquotas do ICMS para as mercadorias essenciais[2] – como a energia elétrica e telecomunicação – não poderiam ser superiores ao piso de 17% ou 18%, cujos efeitos foram modulados (postergados) para a partir de 2024, refletiu diretamente na publicação da LC194/2022.


A LC194/2022 trouxe três grandes avanços para o cenário tributário nacional: (i) o reconhecimento da essencialidade da energia elétrica, (ii) a vedação da fixação de alíquotas do ICMS em patamar superior ao da alíquota interna geral do Estado e (iii) a não incidência de ICMS sobre os serviços de transmissão (TUST) e distribuição (TUSD) e encargos setoriais nas operações que envolvem energia elétrica.


Nesse cenário, posteriormente à publicação da LC194/2022, foram julgadas procedentes algumas Ações de Declaração de Inconstitucionalidade dos dispositivos de leis estaduais do Pará, Tocantins, Minas Gerais, Rondônia e Goiás, no que se refere à aplicação da alíquota geral. Em seu voto, o Relator Ministro Fachin destacou que a energia elétrica é um bem essencial, independentemente da quantidade consumida.


Pelo fato de tratar-se de um tributo estadual (ICMS), há que se respeitar a separação federativa constitucional, bem como a competência instituída pelo Código Tributário Nacional, de forma que é necessário que os estados internalizem em suas Constituições Estaduais o novo regramento.


Por isso, para uniformizar o tratamento em todo o país, o Confaz, colegiado formado por representantes dos fiscos estaduais, formalizou uma consulta à Aneel para a explicitação de quais seriam os componentes tarifários que formam os custos que a lei excluiu da base de cálculo do ICMS, obtendo como resposta da ANEEL o Ofício nº 54/2022-DIR/ANEEL que trouxe extenso detalhamento dos componentes tarifários, como vemos abaixo:


(Figuras 3 e 4 obtidas do Ofício nº 54/2022-DIR/ANEEL)






A partir do detalhamento exposto pela própria ANEEL, as componentes tarifárias da TUSD e TE seriam segregadas em dois grupos: os que se referem à remuneração dos serviços de transmissão, distribuição e dos encargos setoriais (em vermelho), e os que não se referem à remuneração (em azul).


Por conseguinte, conseguimos vislumbrar dois cenários, um deles em que vemos o poder público e os consumidores dispendendo esforços para que as recentes decisões sobre o teto da alíquota do ICMS tenham efetividade e outro cenário em que, tratando-se da incidência do ICMS sobre os encargos de transmissão, não há uma convergência de entendimento.


Dessa forma, nos parece que, se de um lado temos a LC 194/2022, dispondo que não haverá incidência sobre serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica[3], de outro parece que não há um melhor entendimento pelo judiciário da natureza jurídica e da composição dessas componentes tarifárias, como vemos a partir do Ofício nº 54/2022-DIR/ANEEL.


Outrossim, é possível notar que a redução da base de cálculo do ICMS foi realizada com base em três componentes: distribuição, transmissão e encargos setoriais[4]. Contudo, na composição tarifária não existem estes componentes, mas apenas os seguintes: Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão/Distribuição (TUST/TUSD) e Tarifa de Energia Elétrica (TE). Abaixo dessas duas composições há outros subcomponentes tarifários que precisam ser qualificados dentro do que seria distribuição, transmissão e encargo setorial, definindo quais deles são abarcados pela não incidência do ICMS, diante da sua natureza jurídica e finalidade.


Diante do exposto e do alegado pelos estados a respeito da perda da arrecadação[5], o Supremo Tribunal Federal chancelou um acordo para que em até 120 dias - contados a partir do dia 2 de dezembro de 2022 - os Estados estudem uma solução para esta questão. Contudo, na contramão do previsto, os estados têm alterado suas legislações estaduais, majorando suas alíquotas modais (alíquota aplicação geral), para 20%, como pode-se ver:



Não há dúvida, portanto, sobre a necessidade de aprimoramento legislativo e regulatório para que não tenhamos determinadas lacunas que permitam que essas manobras sejam realizadas, independente de qualquer argumento consequencialista.


Além disso, é preciso trabalhar no sentido de esclarecer aos agentes não técnicos as sensibilidades de um setor complexo, em constante construção, visando a plena aplicação de nossas regras, para que não tenhamos uma dança das cadeiras, com a música em constante evolução.


* Bruna Dandara é Advogada (UFRJ), pós-graduada em Direito de Energia e aluna da Head Energia

[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp194.htm [2] https://www.migalhas.com.br/depeso/347932/a-essencialidade-diante-dos-votos-do-supremo [3] Lei Complementar 194/2022: Art. 3º X- serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica [4] Lei Complementar 194/2022: Art. 3º X- serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica [5] https://www.jota.info/stf/do-supremo/estados-estimam-perdas-bilionarias-sem-tust-e-tusd-e-rejeitam-acordo-com-a-uniao-28092022

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