A Lei 14.120, de 1º de março de 2021, fruto da conversão da Medida Provisória 998, de 1º de setembro de 2020, deu a largada nos Leilões de Reserva de Capacidade no Brasil. A Lei 14.120 modifica o artigo 3º da Lei 10.848/2004, que passou a estabelecer em seu caput que o Poder Concedente homologará não apenas a quantidade de energia a ser contratada para atendimento ao mercado, mas também a quantidade de reserva de capacidade.
O novo artigo 3º-A da Lei 10.848/2004 estabelece que os custos decorrentes da contratação de reserva de capacidade serão rateados entre todos os usuários finais de energia elétrica do SIN – incluídos aqui os consumidores regulados, livres, especiais e autoprodutores (estes apenas na parcela da energia decorrente da interligação ao SIN, a exemplo da forma de rateio do encargo de energia de reserva).
Os Leilões de Reserva de Capacidade foram regulamentados pelo Decreto 10.707, de 28 de maio de 2021, que dispõe aspectos relevantes sobre a governança e a metodologia de definição dos volumes a serem contratados:
O MME definirá o montante total de reserva de capacidade a ser contratada, com base em estudos da EPE e ONS, respeitados os critérios gerais de garantia de suprimento estabelecidos pelo CNPE; e
Os estudos elaborados para subsidiar a metodologia de definição dos montantes a serem contratados serão submetidos a consulta pública do MME.
Em resumo, isso significa que a segurança de suprimento, que antes resultava apenas da declaração de necessidades contratuais das distribuidoras para seus mercados regulados, agora passará a considerar critérios técnicos para o atendimento da segurança do sistema.
O Decreto também estabelece alguns conceitos importantes:
CRCAP (Contratos de Potência de Reserva de Capacidade): com prazo máximo de 15 anos e assinados entre geradores e CCEE (como representante dos usuários finais).
COPCAP (Contrato de Uso de Potência para Reserva de Capacidade): assinado entre a CCEE e os usuários finais.
ERCAP (Encargo de Potência para Reserva de Capacidade): encargo que os usuários finais pagarão mensalmente na CCEE (a exemplo do encargo de energia de reserva).
CONCAP (Conta de Potência para Reserva de Capacidade): fundo administrado pela CCEE para recebimento e pagamento de custos relacionados à reserva de capacidade.
Cabe ressaltar que resta pendente uma camada adicional de regulamentação, que será resultado da Consulta Pública ANEEL 61/2021, finalizada em novembro de 2021. Seu resultado está previsto para o 1º semestre de 2022, conforme a agenda regulatória da Agência. Destaque para o artigo 18 da minuta de Resolução, que remete às Regras de Comercialização a definição do mecanismo para o cálculo do ERCAP a ser pago pelos agentes de autoprodução, consumidores livres, consumidores especiais e agentes de geração com perfil de consumo.
E o primeiro Leilão de Reserva de Capacidade aconteceu em 21 de dezembro de 2021. Foi regulado pela Portaria Normativa 20/GM/MME, de 16 de agosto de 2021 e pela Portaria 29/GM/MME, de 20 de outubro de 2021. Puderam participar apenas usinas termelétricas (novas e existentes), com CVU máximo de R$ 600/MWh, e o prazo dos contratos resultantes é julho de 2026 a junho de 2041.
O leilão contratou a energia de 17 usinas, um total de 4,6 GW. Há 800 MW, referentes a 7 usinas termelétricas a óleo diesel e óleo combustível, que se sagraram vencedores, mas se encontram sob liminar.
O cronograma de leilões para 2022, 2023 e 2024 foi definido na Portaria Normativa Nº 32/GM/MME, de 17 de dezembro de 2021. Estão previstos os seguintes Leilões de Reserva de Capacidade:
2022: setembro (conforme Lei 14.182/2021) e novembro
2023: março (conforme Lei 14.182/2021) e novembro
2024: março (conforme Lei 14.182/2021) e novembro
Os leilões “conforme a Lei 14.182/2021” terão como objeto as termelétricas a gás natural referidas no § 1º do artigo 1º da referida Lei e somam 8 GW. O cronograma de entrega da energia é: 1GW em 2026, 2GW em 2027, 3GW em 2028, 1GW em 2029 e 1 GW em 2030.
Cabe ressaltar que o impacto da contratação dessas usinas sobre o ERCAP a ser pago pelos usuários finais poderá ser bem expressivo. Dependendo do cenário de preço de contratação das usinas, do crescimento do consumo, da penetração da micro e mini geração distribuída e da autoprodução, pode chegar na casa dos R$ 30/MWh em 2031.
Por fim, é importante ressaltar que, embora careçam de aperfeiçoamentos regulatórios e metodológicos, os Leilões de Reserva de Capacidade constituem necessário avanço no desenho do modelo setorial. Cabe ao mercado se acostumar com as consequências e custos derivados do aumento da participação das fontes não controláveis na matriz elétrica.
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