Ao realizarmos a aquisição de um produto ou serviço, é esperado certo nível de qualidade. Esta qualidade está diretamente relacionada aos requisitos mínimos de funcionamento do produto e/ou prestação do serviço.
Com a energia elétrica não é diferente! A energia que chega até a sua casa deve, obrigatoriamente, atender parâmetros tangíveis, como níveis de tensão (110/220 Volts) e frequência (60 Hz) além de outros parâmetros mais sensíveis aos geradores e distribuidores como o controle da carga-frequência, potência reativa etc.
Décadas atrás, o Setor Elétrico Brasileiro tinha uma estrutura completamente verticalizada, configurado com o tripé centralizado (Geração - Transmissão - Distribuição). Cenário este que facilitou, e muito, a definição dos papéis e responsabilidades para o que foi denominado, pelos agentes reguladores, como "Administração dos Serviços Ancilares".
Este serviço visa garantir a integridade e operacionalidade do Sistema Interligado Nacional (SIN). De forma prática, o Operador Nacional do Sistema (ONS) contrata e administra serviços ancilares junto aos agentes geradores e distribuidores de energia elétrica.
Uma conjunção de fatores envolvendo ajustes legais, destacando a Resolução Normativa da ANEEL n° 482/2012 e os surpreendentes avanços tecnológicos dos últimos anos permitiram, na última década, um crescimento exponencial da geração distribuída no Brasil.
Isto garantiu ao consumidor o direito de gerar sua própria energia e “injetar" o excedente na rede da distribuidora que passa a ser compensado através do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE).
Se o consumidor passa a gerar a sua energia elétrica e "fornecer" o excedente à distribuidora, é natural exigir que esta energia tenha os mesmos parâmetros de qualidade fornecidos anteriormente pela distribuidora.
Como assim? Um sistema fotovoltaico causa "interferências" na rede elétrica da distribuidora?
Sim! Para gerar sua energia, o "prossumidor" precisa instalar um sistema de geração composto por módulos fotovoltaicos que captam a irradiação solar transformando-a em corrente elétrica e o inversor CC/CA que transforma a corrente contínua (CC) gerada em Corrente Alternada (CA), padrão este adotado no sistema elétrico convencional.
É aí que começa o ponto central da questão! Para converter a energia gerada pelos módulos fotovoltaicos de corrente contínua (CC) para corrente alternada (CA), o inversor se utiliza de uma série de dispositivos eletrônicos definidos, na engenharia elétrica, como Eletrônica de Potência.
Por ser um processo que envolve altos níveis de tensão, altos níveis de potência e um preciso controle do fluxo de energia elétrica, é natural que esta conversão tenha como efeito colateral distorções, conhecidas tecnicamente como distorções harmônicas.
O PRODIST (Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional) em seu Módulo 08 - Qualidade da Energia Elétrica - define distorção harmônica como: "fenômenos associados com deformações na forma de onda das tensões e correntes em relação à onda senoidal da frequência fundamental".
Desta forma, a crescente inserção de sistemas de geração fotovoltaica na rede das distribuidoras tem enorme potencial de provocar "distúrbios" e "deformações" na qualidade da energia que a distribuidora entrega a seus consumidores.
No modelo atual, existe um componente tarifário denominado Tarifa de Serviços Ancilares (TSA), fixado pela ANEEL, que remunera os custos adicionais dos agentes geradores e distribuidores pela prestação destes serviços de "garantia da qualidade" relacionados ao fornecimento de energia elétrica.
A aplicação da Tarifa de Serviços Ancilares (TSA) é feita de forma linear e, tanto os consumidores que geram sua energia, como aqueles tem toda a sua demanda atendida pela distribuidora pagam pelo mesmo componente tarifário.
A pergunta que fica é: este modelo garante um serviço público adequado, necessário e com uma tarifa aderente ao conceito de modicidade tarifária?
Vivenciamos um debate semelhante, em 2021, envolvendo a tramitação do PL 5829/2019, que passou pela Câmara dos Deputados e encontra-se atualmente tramitando no Senado Federal.
Iniciar, o quanto antes, este debate com os stakeholders do setor é extremamente produtivo, tem o potencial de racionalizar a forma como os serviços são prestados, e a correta remuneração aos prestadores, evita tensões entre diferentes agentes do setor, além contribuir para o equilíbrio econômico-financeiro do Setor Elétrico Brasileiro, fundamental para o nosso desenvolvimento econômico.
Comments