Por Fabiola Sena, D.Eng.
O setor elétrico é um verdadeiro celeiro de contratos. Desde os contratos de concessão, celebrados entre União e partes privadas, passando por toda a miríade de contratos de comercialização (regulados ou não), alcançando os contratos de natureza acessória, que é o caso dos EPCs (Engineering, Procurement and Construction – engenharia, gestão de compras e construção), dos FSAs (Fuel Supply Agreements – contratos de compra de combustível), dos SPAs (Shareholder Purchase Agreement – acordos de compra e venda nos processos de fusão e aquisição), dos acordos de acionistas e dos contratos de arrendamento de terras e de equipamentos.
E onde há contratos, há potencial para controvérsias. É aí que entra a arbitragem, um método de resolução de conflitos no qual as partes definem que uma entidade privada será a responsável por solucionar eventuais desavenças contratuais, sem a participação do Poder Judiciário. A arbitragem costuma ser a alternativa preferida para resolução de conflitos no setor elétrico pois além de conferir confidencialidade e maior celeridade na solução da disputa, a decisão é proferida por um profissional especialista na matéria.
Aqui surge o primeiro agente relevante na arbitragem, a Câmara Arbitral, que é a entidade autônoma especializada na solução de conflitos que versem sobre direito patrimonial disponível, por meio de regras e procedimentos próprios e dos mecanismos da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996).
Um procedimento arbitral sempre inicia com a apresentação de um pedido de instauração de arbitragem pela parte Requerente. Neste documento são expostos fatos, fundamentos, valor da causa e pedidos a serem atendidos. As partes (Requerente e Requerida) costumam participar do procedimento arbitral por intermédio de advogados, que serão os patrocinadores do processo.
O Tribunal Arbitral, responsável por diligenciar o procedimento, costuma ser composto por três árbitros. Cada parte designa seu respectivo coárbitro e as partes, em comum acordo, designam o terceiro árbitro, que exercerá as funções de presidente do Tribunal Arbitral. Aqui importa ressaltar que os árbitros deverão ser e permanecer independentes e imparciais ao longo de todo o procedimento, revelando qualquer fato que possa levantar dúvida quanto ao seu impedimento, suspeição ou conflito de interesses.
Além dos advogados, que representam e apoiam as partes ao longo do processo, é cada vez mais comum a participação de experts não-advogados nas arbitragens do setor elétrico, dada a complexidade e multidisciplinaridade envolvidas nos contratos do setor.
Enquanto os assistentes técnicos são os especialistas contratados pelas partes, com função de auxiliar na defesa ou acusação, o perito é o especialista imparcial que apoia o presidente do Tribunal Arbitral. Cada parte, portanto, remunera os serviços do seu assistente técnico. Já a remuneração do perito é rateada, caso a perícia tenha sido determinada pelo terceiro árbitro ou requerida por ambas as partes, ou feita integralmente pela parte que requereu a perícia.
A partir de suas visões técnicas e especializadas em engenharia, economia, mercado e regulação setorial, o perito e os assistentes técnicos produzem documentos cruciais ao procedimento arbitral: o laudo, no caso do perito, e os pareceres técnicos, no caso dos assistentes. Os assistentes técnicos são verdadeiros consultores técnicos de suas partes contratantes, fornecendo informações estratégicas que podem determinar o rumo do procedimento arbitral.
É aconselhável que as partes envolvam os assistentes técnicos desde a instauração do procedimento arbitral. Tal conduta trará um melhor entendimento sobre os contornos técnicos da disputa, permitirá a construção de soluções mais eficientes, trazendo fluidez ao procedimento e a tão almejada celeridade da decisão.
O entrelaçamento societário entre consultorias e companhias que atuam no mercado de energia, aliado à escassez de consultores independentes, dificulta cada vez mais a seleção de assistentes técnicos e peritos imparciais e independentes. Muito embora os assistentes técnicos sejam profissionais de confiança de cada uma das partes e, portanto, não estejam sujeitos a impedimento ou suspeição, recomenda-se atenção a situações que possam configurar potencial conflito de interesses dos experts (e suas empresas coligadas, controladas e subsidiárias).
Sempre que houver um tema relevante e que possa suscitar dúvidas, sobretudo nas relações com as partes, é desejável que o expert faça a chamada revelação. A revelação permite que a parte avalie sobre o prosseguimento da aceitação do expert, conferindo a necessária transparência entre contratante e contratado.
Alguns exemplos de situações em que é recomendável a revelação por parte do expert são, por exemplo, o envolvimento anterior com o litígio (ou com o objeto do litígio), a prestação de serviços anteriores à outra parte (e suas empresas coligadas, controladas e subsidiárias), interesse financeiro no resultado do procedimento arbitral e até mesmo relação (financeira, familiar ou de amizade) entre o expert e membro da alta administração da outra parte.
Considerando que o número de relações contratuais no mercado de energia elétrica tende a se ampliar – haja vista a liberalização do mercado consumidor e a sofisticação dos modelos de negócio – é desejável que sejam ampliadas as listas de árbitros e experts no setor elétrico. Afinal, onde há contratos, há potencial para controvérsias – e necessidade de especialistas competentes, diligentes, imparciais e independentes.
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