Por Rosana Santos* e Marina Azevedo*
No mundo político e dos negócios, muito tem se falado sobre a escalada global do hidrogênio de baixo carbono e seu papel na transição energética e na mitigação das mudanças climáticas. O Brasil é um dos países que não apenas vem sinalizando seu interesse em investir no novo mercado de hidrogênio, como também tem chamado a atenção do mundo por ser considerado um destino atraente para produção deste hidrogênio com custo competitivo. Isso se deve a uma combinação de características do país, como sua geolocalização, disponibilidade de água, alta qualidade e eficiência de seus recursos primários renováveis e o já alto percentual de fontes renováveis da matriz elétrica.
Os dois últimos itens da lista, a alta qualidade dos recursos disponíveis e a já alta renovabilidade da matriz elétrica brasileira, são dos principais fatores que contribuem para que o Brasil tenha uma posição favorável e de destaque no cenário global. O preço ainda bastante alto do hidrogênio de baixo carbono é uma das maiores barreiras para sua entrada massiva no mercado e o custo da eletricidade tem peso significativo na formação deste preço. Assim, enquanto muitos países ainda estão buscando garantir a produção competitiva de eletricidade renovável e baratear os custos de produção dos demais processos para fabricação do hidrogênio de baixo carbono, o Brasil sai muito na frente no primeiro quesito.
O uso do hidrogênio deve ser pensado para viabilizar redução das emissões, re-industrialização verde, modernização das exportações, desenvolvimento de tecnologia nacional e, em última análise, crescimento econômico e desenvolvimento social. Nesse contexto, o portfólio de potenciais usos finais do hidrogênio é bastante extenso, alguns exemplos incluem seu uso para armazenamento químico de energia, seu uso na indústria química para a fabricação de fertilizantes, nas indústrias de cimento e mineração, como combustível substituto aos fósseis, na indústria siderúrgica, como combustível substituto ao coque de carvão e agente redutor de ferro, na indústria de alimentos, como insumo do processo de hidrogenação, na indústria petroquímica, também como insumo nos processos de hidrotratamento e hidrocraqueamento, e no setor de transportes, como combustível em veículos movidos a Células a Combustível (CaC); no entanto, não é realista pensar que o novo mercado será capaz de suprir todas essas demandas simultaneamente.
De tal forma, desde os primórdios da sua criação, o mercado brasileiro de hidrogênio deve seguir estratégias que valorizem os recursos nacionais e ajudem a alavancar a economia. O setor siderúrgico representa um bom exemplo de como é possível utilizar esse novo mercado para estimular o crescimento econômico em paralelo à descarbonização.
Atualmente a produção do aço nacional é feita seguindo duas principais rotas: EAF (Forno elétrico a arco), que utiliza sucata como principal matéria-prima e representa 24% da produção de aço nacional; e a rota BF-BOF (Alto Forno - Forno Básico a Oxigênio), que utiliza 87% de coque de carvão mineral e 13% de carvão vegetal, e representa 76% da produção de aço nacional.
Não é possível suprir a demanda atual e futura por aço de baixo carbono apenas com sucata e carvão vegetal, pois os dois recursos não possuem escala suficiente para tal. Paralelamente, o Brasil é importador do principal combustível utilizado atualmente na produção de aço, o coque de carvão mineral. Diante desse cenário, o hidrogênio de baixo carbono se torna um recurso estratégico para a produção de aço verde no país, pois pode substituir diretamente o coque de carvão mineral na produção de aço via BF-BOF, complementando as rotas de produção com sucata e carvão vegetal, e reduzir a dependência de recursos externos, visto que a perspectiva é que o hidrogênio seja produzido nacionalmente.
Figura 1 - Rotas tecnológicas para produção de aço.
O uso final do hidrogênio na siderurgia ainda representa uma oportunidade para o Brasil fortalecer seu mercado exportador e seu posicionamento no mercado internacional. Atualmente o país é o nono maior produtor de aço do mundo, o maior da América Latina, e o segundo maior produtor de minério de ferro do mundo. Cerca de 30% da produção é exportada, portanto, o comércio exterior já representa uma parcela significativa do mercado de aço.
A relevância do mercado de exportação pode se tornar ainda maior com a produção de aço verde, pois o Brasil tem a oportunidade de vender este produto para países que estruturalmente apresentam um custo de produção de hidrogênio de baixo carbono mais alto, aproveitando as parcerias comerciais já existentes. Para o Brasil, reproduzir o modelo de exportação existente é uma vantagem, pois isso facilita a logística do negócio, e ao mesmo tempo o setor siderúrgico passa a comercializar produtos de maior valor agregado (substituindo o minério de ferro por ferro briquetado (HBI) e o próprio aço convencional por aço verde).
Está ao alcance do Brasil usar o novo mercado de hidrogênio também como ferramenta para transformar vantagens comparativas em vantagens competitivas. Para isso é preciso estar atento para não terminarmos copiando a fórmula de outros países desenvolvidos, sem avaliar quais estratégias de fato são adequadas à realidade do país e maximizam os benefícios que esse novo mercado traz.
* Rosana Santos é Diretora Executiva e Marina Azevedo é Consultora Técnica do Instituto E+ Transição Energética.
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