Por Luan Vieira*
No dia 26 de abril deste ano, o Ministério de Minas e Energia (MME) abriu a consulta pública (CP) nº 163 com o objetivo de receber sugestões sobre como a Indústria de Óleo e Gás Natural pode contribuir na transição energética e quais políticas públicas podem ser promovidas para alcançar uma transição energética justa, inclusiva e equilibrada. A CP permaneceu aberta até o dia 11 de maio e recebeu diversas contribuições de diferentes grupos da sociedade.
No plano nacional de transição energética, documento de suporte da CP, o governo apresenta um trilema para atingir seus objetivos: segurança energética, sustentabilidade ambiental e equidade energética. Segurança energética refere-se à disponibilidade de um sistema robusto, eficiente e autossuficiente, capaz de lidar com adversidades, atender demandas e não depender de importações. Sustentabilidade ambiental significa descarbonizar a matriz energética, reduzir e controlar emissões de gases, além de aumentar a produtividade. Enquanto equidade energética significa promover o acesso a uma energia de qualidade a preços justos para todos.
Entre os três pilares, o último é o mais distante. O Brasil já lidera em participação de renováveis entre os países do G20 e possui uma matriz energética diversificada, com operação em tempo real realizada pelo ONS (Operador Nacional do Sistema), garantindo o fornecimento de energia considerando também o custo futuro. Apagões não são mais uma realidade rotineira no país. Além disso, o Brasil é líder no desenvolvimento de biocombustíveis e, de acordo com o Programa de Expansão da Transmissão (PET) da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), prevê investimentos de aproximadamente 56 bilhões de reais na ampliação das linhas de transmissão.
Por outro lado, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, com uma concentração de renda exorbitante, onde os 1% mais ricos ganham mais do que os 50% mais pobres juntos. Cerca de 49 milhões de brasileiros ainda vivem sem acesso adequado a saneamento básico, mais de 30% da população enfrenta algum nível de insegurança alimentar e quase 40% trabalham na informalidade. Lixões, proibidos no Brasil desde 1991, ainda recebem 40% dos resíduos gerados anualmente, impactando negativamente o meio ambiente e a saúde de milhões de pessoas. Será possível alcançar equidade energética nesse cenário?
No Brasil, há um erro clássico de priorização da técnica em detrimento do bem-estar social. O conceito de técnica, derivado do grego téchne, conforme Aristóteles, significa compreender "o porquê das coisas", as regras que permitem alcançar certos resultados. O verdadeiro propósito de qualquer ação humana é a busca pela felicidade, ou eudaimonia em grego. No entanto, ao longo do tempo, a técnica se transformou principalmente no aprimoramento de métodos para a produção de capital. Um relatório desenvolvido pela consultoria Oliver Wyman e pelo Conselho Mundial de Energia corrobora essa visão, indicando que o Brasil ocupa o 26º lugar em equidade energética, enquanto está em 6º lugar nos outros dois quesitos.
Na prática, energia segura e limpa pode estar disponível para todos, mas o impacto dessa energia nos diferentes estratos sociais não é equivalente. De que adianta ter energia para alimentar uma geladeira se ela está vazia? De que adianta ter um mercado de crédito de carbono desenvolvido se milhões de brasileiros estão sendo afetados por lixões? Ruas bem iluminadas, mas com muitos moradores de rua (são 64 mil apenas na cidade de São Paulo). As concessões renovadas e reformuladas para distribuição de energia, mas um sistema afetado por furtos de energia em regiões desassistidas pelo Estado.
Os efeitos da transição energética precisam ser tangíveis na vida cotidiana. Em outras palavras, se a vida dos brasileiros não melhorar, para que serve tudo isso? Não é que os outros dois pilares do trilema não possam ser melhorados - eles podem e devem ser - mas o terceiro pilar precisa melhorar significativamente para ser considerado mínimo. Portanto, a Indústria de Óleo e Gás Natural poderia contribuir para a transição energética, desenvolvendo a equidade energética. Contrariando o que muitos pensam, isso é um princípio liberal fundamental. Adam Smith, em "A Riqueza das Nações", discute a mão invisível do mercado que transforma interesses individuais em benefícios coletivos, ou o bem comum. Se a vida dos brasileiros melhorar e a equidade energética for alcançada, a própria indústria será beneficiada, pois as pessoas poderão focar na autorrealização, ao invés de apenas na sobrevivência.
Resumidamente, essa transformação é complexa e profunda para toda a sociedade. Por que não aproveitar o PET para nos aproximarmos cada vez mais dessa realidade? Por exemplo, associar o desenvolvimento da infraestrutura de gasodutos à melhoria da infraestrutura local por onde passam esses gasodutos. Em regiões remotas que necessitam de transporte de gás liquefeito, investir em diferentes formas de transporte (hidroviário, rodoviário e ferroviário), permitindo que a população também se beneficie dessas estruturas. Incentivar a substituição do diesel nos veículos de transporte público, associado a programas que garantam tarifas mais acessíveis. As possibilidades são vastas e diversas, mas uma coisa é certa: todas precisam estar ancoradas no princípio da equidade. Sem colocar a equidade energética como o cerne dessa transição, poderemos ter uma energia limpa em 2050, mas nossa dignidade estará manchada, comprometida por termos ignorado a realidade do Brasil e promovido uma versão distorcida da técnica.
*Luan é engenheiro eletricista pela Universidade Federal de Itajubá, analista de energia e aluno da Head Energia.
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