Por Daniel Pina
Este artigo foi originalmente publicado aqui e republicado com autorização do autor.
Em um mercado competitivo, a prioridade é aumentar os lucros da empresa e assegurar a sua viabilidade no longo prazo. Para alcançar esse objetivo, muitas companhias optam pela estratégia de integração vertical, na qual assumem o controle direto de partes cruciais de seu processo produtivo.
Um exemplo notável é a Netflix que alterou sua estratégia de negócios com o propósito de produzir conteúdo original, diminuindo assim sua dependência de outras produtoras e assegurando suprimento para sua plataforma de streaming.
A Samsung, por sua vez, implementou uma política de redução de custos de transação e de otimização tributária por meio da produção própria de vários componentes de seus produtos eletrônicos, dentre eles telas LCD, antenas e semicondutores.
Já a Ikea, empresa de móveis e decoração, criou uma subsidiária responsável pela produção de produtos próprios de madeira certificado, mostrando sua preocupação com o gerenciamento ativo dos impactos ambientais de suas operações.
Embora a decisão de produzir o próprio insumo possa parecer atraente, sem dúvida não está isenta de riscos e desafios. É uma estratégia que eleva a complexidade organizacional da empresa, exige investimentos significativos e envolve riscos associados a um novo negócio que não é o foco principal da companhia, tais como riscos operacionais, ambientais e trabalhistas.
A energia elétrica se destaca como um insumo estratégico na estrutura de custos e descarbonização de diversos segmentos industriais, em especial da indústria eletrointensiva. Tais indústrias operam no mercado internacional, enfrentando forte concorrência.
A decisão por (auto)produzir energia elétrica desempenha papel relevante na competitividade dessas empresas. Realizar investimentos e assumir riscos de produção de energia, contudo, requer confiança no arcabouço legal e regulatório do setor.
No Brasil, contudo, o aumento dos encargos setoriais vem fomentando avaliações simplistas que sugerem, sem embasamento técnico, a alocação desses custos para a autoprodução, incluindo indústrias eletrointensivas. Essa abordagem superestima os efeitos positivos que essa medida teria sobre a redução da tarifa de energia elétrica e, ao mesmo tempo, negligência seus impactos negativos na economia. Interessante registrar ainda que a principal causa do problema permanece sem um plano de ação efetiva: o crescimento dos encargos setoriais.
Na Alemanha, durante debates semelhantes sobre a cobrança de encargos setoriais pela indústria eletrointensiva, um estudo econômico conduzido em 2015 pelo Instituto Fraunhofer e Ecofys e apresentado ao Ministério de Economia e Energia Alemão revelou que a medida resultaria no fechamento de toda a indústria de alumínio e cloro no país, tal como ocorreria em várias indústrias siderúrgicas, de mineração, de papel e celulose.
No Brasil, além dos riscos assumidos como produtor de energia, a alocação dos encargos setoriais para a autoprodução causaria efeitos econômicos devastadores. De acordo com estudo da Consultoria Pezco, de 1995 a 2018, a autoprodução no país contribuiu para a criação de 196 mil postos de trabalho por ano e aumentou o PIB em R$ 31 bilhões por ano.
A autoprodução tem objetivos concretos como a garantia de suprimento, redução de custos e promoção da sustentabilidade ambiental. As indústrias eletrointensivas no Brasil vêm investindo na autoprodução há mais de um século, muito antes da criação dos encargos setoriais, o que sustenta sua competitividade internacional.
Portanto, qualquer proposta de política pública que imponha custos à autoprodução deve seguir o exemplo da abordagem adotada na Alemanha: uma discussão baseada em estudos técnicos sólidos que ofereçam compreensão clara dos impactos macroeconômicos da medida.
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